Homenagem

Charlie Chaplin
Eu tinha acabado de chegar da escola, oito anos de idade e um mundo imenso e desconhecido pra mim. Estava na fase em que as coisas se tornavam eternas ao simples olhar. Então minha mãe chega com um quadro diferente de todos os outros que já havia visto antes. A tela mostrava Chaplin caído ao chão, estirado e olhando para o espectador, seus pés pareciam gigantes pelo efeito de profundidade da foto, os patins eram enormes; eu logo deduzia - Coitadinho foi brincar de patins e acabou caindo.
Depois de dias indo e vindo diante da foto, passei a observar melhor o quadro, sempre que chegava da escola lá estava ele. Achava engraçado imaginando como teria sido o tombo daquele pequeno homem de bigode. Entendi que ele estava com uma bengala na mão e mesmo assim parecia surpreso com o tombo, pois seu olhar me dizia: - Eu cai e você não fez nada pra me ajudar. Está parado por que? Não vai me ajudar a levantar?
A essa pergunta eu respondia comigo:
- Por quê não usou a bengala pra se segurar? E por que um homem de bengala vai querer andar de patins?
Impressionante como eu nunca havia visto Chaplin antes, nem sabia quem ele era e aquela simples foto já aguçava minha curiosidade de menino. Muitas vezes ria sozinho recriando o deslize dele encima das rodas, que bobo, como pode ter caido se tinha uma bengala na mão?
Depois de muito tempo a observar pude ter outra perspectiva da cena na foto. Aí sim, o gênio dele se elevou; fiquei muito admirado ao entender enfim o sentido daquela imagem. Percebi que se eu imaginasse que fosse eu o caído no chão e Chaplin viesse me ajudar, era exatamente a visão que teria, então a mágica aconteceu. Dessa forma as posições se inverteram, era ele quem estava de pé, com a mão no bolso, olhando para baixo comigo caído aos seus pés - logo me dizendo: - Levante-se! Ainda vai cair muito até aprender andar sozinho. Tenho uma bengala, quer emprestada? Depois dessa descoberta fui pesquisar sobre ele, minha mãe o conhecia também. Vi seus filmes, conheci sua história, fiquei encantado e nunca mais me separei da maneira mágica que ele escolheu para transmitir sua mensagem para todos... O silêncio.

Machado de Assis
Eu sou meio suspeito de falar sobre Machado de Assis, tenho ele como o maior escritor brasileiro (e do mundo) de todos os tempos; mas irei tentar não ser tão meloso na narrativa que seguirá.
Meu primeiro contato com os textos do grande escritor foi um pequeno conto chamado "A Cartomante"; ele fazia parte de outros num mesmo livro. Uma amiga minha de escola, na época do ginásio, o estava lendo e andava com ele na bolsa, na sala ela o tirou e vi a capa, era um senhor de óculos, lentes ovais, barba espigada e um bigode curioso, usava terno, sério, parecia culto, cultíssimo:
- Que livro é esse que você lê Fátima?
- Não conhece? (me mostrando a capa) É Machado de Assis, gosto muito dos textos dele, quer ler? Já terminei, amanhã eu devolvo pra biblioteca.
- Quero sim, vou dar uma olhada rápida nele.

Ela gostava de previsão do futuro assim como o personagem descrito por Machado no mesmo conto. Então recomendou que eu começasse pela cartomante. Fátima me emprestou o livro quando eu ainda estava meio que desacreditado do tal Machado; era fino, capa rala, poucas páginas. Lembro que o peguei na sala e no intervalo me sentei no pátio para começar a lê-lo. Quando chegou o final do conto, eu fiquei extasiado. Simplesmente maravilhoso o desfecho, surpreendente e incomparável. Reli-o duas vezes para ter certeza que não havia perdido nenhuma informação preciosa... Nada, o texto era mesmo magnífico e completo. A Cartomante foi só o primeiro texto de Machado que li; depois dele vieram mais contos e romances como o incomparável Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro. Depois disso não parei mais de ler e descobrir a gigantesca obra do Machado de Assis; obra essa que o fez eterno. Perdoe-me os moderninhos, mas afirmo: - Quem ainda não leu Machado... Não leu nada.

2 comentários:

  1. Venilton, você sempre bem acompanhando, não é? Sou apaixonado por Chaplin e por Machado. O primeiro sempre foi uma constante referência a tudo o que venho fazendo, enquanto desenhista e escritor. Tenho quase todos os filmes dele em casa, e não canso de me inspirar. O segundo, para mim, é a maior figura literária brasileira. Machado transformou as mais banais situações quotidianas em narrativas tão marcantes, que revelavam até as mais sutis nuances da natureza humana. Gênio é gênio. Até Woody Allen não poupa elogios quando o assunto é o bruxo do Cosme Velho. Lindas homenagens. Abração!

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  2. Obrigado Nanuka. Todas as palavras que eu possa usar para agradecer a esses dois gênios aqui citados, serão insuficientes. Tenho dito muitas vezes que eles mudaram a minha vida de maneira especial, e é a mais pura verdade. Abraço amigão.

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